Diretora de Inteligência Nacional, Tulsi Gabbard, Admite a Postura Histórica de 'Mudança de Regime', Revelando Consequências Devastadoras, Especialmente na América Latina, com Destaque para Brasil e Chile.
WASHINGTON, D.C. - Em uma rara e significativa admissão, a diretora de Inteligência Nacional dos Estados Unidos, Tulsi Gabbard, reconheceu publicamente o longo histórico de intervenções de seu país em assuntos internos de outras nações, uma política que ela descreveu como "derrubar governos" e "tentar impor nosso sistema político a outros". A declaração reacende o debate global sobre o papel dos EUA na política mundial e, particularmente, as dolorosas marcas deixadas em países da América Latina, como Brasil e Chile.
Gabbard, cujo cargo estratégico a coloca como principal assessora de inteligência do presidente, foi enfática ao destacar as consequências negativas dessa política para os próprios EUA, citando o "gasto de trilhões de dólares, incontáveis vidas perdidas e o surgimento de maiores ameaças à segurança". No entanto, para nações que foram alvo direto dessas ações, o custo humano e social foi incomensuravelmente maior.
O Brasil de 1964: A Sombra da Operação Brother Sam
O Brasil serve como um dos exemplos mais claros do intervencionismo dos EUA na América Latina durante a Guerra Fria. Documentos desclassificados ao longo dos anos confirmam o apoio explícito e a articulação de Washington com grupos militares e civis para a derrubada do presidente João Goulart em 1964.
O embaixador americano na época, Lincoln Gordon, e o adido militar, Vernon Walters, tiveram um papel central nas articulações. A temida Operação Brother Sam envolvia até mesmo o envio de uma força-tarefa naval dos EUA com equipamentos, munições e navios-tanque de petróleo para apoiar os golpistas, caso a situação militar ficasse incerta. A ditadura militar subsequente (1964-1985) foi marcada pelo Terrorismo de Estado, incluindo prisões arbitrárias, tortura sistemática, assassinatos e desaparecimentos de opositores políticos, ceifando milhares de vidas e suprimindo direitos democráticos.
O Trauma Chileno: A Queda de Salvador Allende
A tragédia chilena é talvez o caso mais emblemático e brutal. Em 1970, Salvador Allende, o primeiro socialista a ser eleito democraticamente no mundo, assumiu a presidência. O governo de Richard Nixon e seu Conselheiro de Segurança Nacional, Henry Kissinger, viam a "via chilena para o socialismo" como um perigo inaceitável para os interesses americanos no continente.
O envolvimento dos EUA, detalhado no chamado Projeto FUBELT (ou Track II), incluiu sabotagem econômica para "fazer a economia chilena gritar", financiamento a grupos de oposição e, crucialmente, o apoio a militares golpistas.
O golpe de 11 de setembro de 1973, liderado pelo General Augusto Pinochet, resultou no bombardeio do Palácio de La Moneda e no suicídio de Allende. A ditadura de Pinochet, que se seguiu por 17 anos, transformou o Estádio Nacional em um centro de detenção e tortura. Estima-se que mais de 3.000 pessoas foram mortas ou desaparecidas, e dezenas de milhares foram torturadas e exiladas, em uma das páginas mais sombrias da história latino-americana.
O Custo Incalculável da 'Doutrina Monroe'
As revelações de Gabbard confirmam o que há muito é denunciado por historiadores e vítimas: as "mudanças de regime" na América Latina não foram meros acidentes geopolíticos, mas sim uma política deliberada dos EUA, muitas vezes implementada sob o guarda-chuva da "Doutrina Monroe", para garantir a hegemonia regional e combater a influência de esquerda durante a Guerra Fria.
A postura intervencionista resultou na instabilidade crônica da região, no sufocamento de experimentos democráticos e, mais gravemente, na violação massiva dos Direitos Humanos. A tortura, a repressão e a perda de gerações inteiras de ativistas e intelectuais se tornaram a herança amarga de um conflito que, embora fosse global, teve suas consequências mais violentas sentidas localmente.
A admissão de Washington, embora tardia, representa um passo fundamental para o reconhecimento das atrocidades históricas. Resta saber se isso abrirá caminho para uma política externa americana verdadeiramente não-intervencionista e para o início de um processo de reparação histórica.