Alegações sem base científica feitas pelo ex-presidente dos EUA e por seu secretário de saúde, Robert Kennedy Jr., reacendem o debate sobre a politização da saúde pública e levantam suspeitas sobre motivações econômicas
GENEBRA/WASHINGTON – A Organização Mundial da Saúde (OMS) foi levada a público para desmentir categoricamente mais uma onda de desinformação sobre saúde, desta vez propagada pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Em recentes declarações, Trump e seu aliado, o conhecido por teorias da conspiração Robert Kennedy Jr. – cotado para ser seu secretário de Saúde –, voltaram a associar o uso de paracetamol (o princípio ativo do Tylenol) por gestantes ao desenvolvimento de autismo em crianças. A alegação, amplamente rejeitada pela comunidade científica global, é considerada uma "fake news perigosa" pela OMS.
O caso é visto com preocupação por especialistas em saúde pública, que relembram os trágicos resultados da politização da ciência durante a pandemia de Covid-19, tanto no Brasil, onde cloroquina foi amplamente promovida sem eficácia comprovada, quanto nos EUA. Agora, a estratégia da extrema-direita parece se repetir, atacando um medicamento básico e essencial para o controle da dor e da febre.
A Desmentida Oficial da OMS
Em nota técnica divulgada nesta semana, a OMS afirmou que "não existe qualquer evidência científica robusta que estabeleça uma relação causal entre o uso apropriado de paracetamol durante a gravidez e o transtorno do espectro autista". A organização reforçou que o medicamento, quando usado conforme as orientações médicas, continua sendo uma das opções mais seguras para o alívio de sintomas em gestantes, crucial para evitar complicações da febre alta, por exemplo.
A OMS alertou que a divulgação de informações falsas sobre medicamentos tão comuns pode levar a consequências graves, como o uso indevido e o medo injustificado, colocando em risco a saúde de mães e bebês.
Anticiência como Estratégia Política
A postura de Trump e Kennedy não é novidade. Robert Kennedy Jr. é uma figura conhecida por seu movimento antivacina e por espalhar teorias infundadas sobre ligações entre imunizantes e autismo. A assimilação dessas narrativas pela cúpula de um dos principais candidatos à presidência dos EUA preocupa especialistas.
"Estamos vendo a mesma tática da extrema-direita que assistimos no Brasil", analisa a epidemiologista Marina Silva, professora da Universidade de São Paulo. "Criar um clima de desconfiança em relação às instituições de saúde e aos consensos científicos é uma forma de mobilizar bases políticas, mesmo que isso custe vidas. É uma estratégia irresponsável e perigosa."
Há Interesse Comercial por Trás do Ataque?
Além da questão ideológica, analistas políticos e especialistas do mercado farmacêutico começam a especular sobre possíveis motivações econômicas por trás do ataque de Trump. A empresa Johnson & Johnson, fabricante do Tylenol, é uma das grandes concorrentes no mercado farmacêutico norte-americano.
"É curioso notar que Trump ataca justamente um concorrente de empresas que são historicamente doadoras de campanhas republicanas ou que têm interesses alinhados a seu governo", pontua um analista do setor que preferiu não se identificar. "Não seria a primeira vez que uma narrativa pública serve para disfarçar um interesse comercial em prejudicar um concorrente."
A especulação ganha força ao se considerar que o paracetamol é um medicamento genérico e de baixo custo, cuja descreditação poderia abrir espaço para produtos alternativos, possivelmente mais lucrativos para determinados grupos.
O Risco para a Saúde Pública Global
O grande temor é que, como ocorreu durante a pandemia, a desinformação patrocinada por figuras de alto escalão se espalhe globalmente, afetando políticas públicas e a confiança da população em tratamentos seguros e eficazes. A OMS e agências reguladoras de todo mundo mantêm sua posição: o paracetamol, usado corretamente, é seguro e vital para a saúde pública.
A pergunta que fica é até que ponto a estratégia da anticiência será utilizada como moeda de troca na corrida eleitoral norte-americana e quais os reais custos dessa politicagem para a saúde das pessoas.