A Nova Ficha (Mais ou Menos) Limpa: Congresso Nacional Redesenha Regras de Inelegibilidade e Enfrenta Críticas por Autoproteção
Brasília, 3 de setembro de 2025 — Em uma votação marcada por tensão e polarização, o Senado Federal aprovou por 50 votos a 24 o Projeto de Lei Complementar 192/2023, que flexibiliza a Lei da Ficha Limpa, alterando profundamente os critérios de inelegibilidade para políticos condenados. A proposta, que agora aguarda sanção presidencial, reacendeu o debate sobre os limites éticos da atuação legislativa e a relação entre Congresso e Justiça.
O que muda na Lei da Ficha Limpa
A nova redação antecipa o início da contagem do prazo de inelegibilidade para o momento da condenação, diplomação, renúncia ou perda de mandato — e não mais após o término do mandato ou do trânsito em julgado. Isso significa que políticos condenados poderão retornar à disputa eleitoral após apenas uma eleição, em vez de duas, como ocorria anteriormente.
Além disso, o projeto estabelece um teto de 12 anos para inelegibilidade, mesmo em casos de múltiplas condenações, e veda a cumulatividade de penas em ações relacionadas.
Congresso versus Justiça: uma colisão institucional?
Críticos apontam que a medida representa um retrocesso no combate à corrupção e à impunidade. O senador Marcelo Castro (MDB-PI) foi enfático: “Fere de morte o espírito da Ficha Limpa. Quem comete crime eleitoral não ficará mais fora de duas eleições”.
A Lei da Ficha Limpa, sancionada em 2010 após mobilização popular com mais de 1,6 milhão de assinaturas, foi criada justamente para impedir que políticos com condenações graves voltassem rapidamente à vida pública. A nova proposta, no entanto, pode beneficiar diretamente parlamentares já condenados, inclusive em casos de improbidade administrativa.
Autoproteção legislativa?
A origem do projeto também levanta suspeitas. A proposta foi apresentada pela deputada Dani Cunha (União-RJ), filha do ex-deputado Eduardo Cunha, cassado por corrupção em 2016. Para muitos analistas, trata-se de um movimento claro de autopreservação institucional, em que o Congresso legisla em causa própria, criando brechas para reabilitação política de seus membros.
O relator, senador Weverton (PDT-MA), defendeu o texto como uma forma de garantir “objetividade e segurança jurídica”. Já o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), declarou que “a inelegibilidade não pode ser eterna”.
E os crimes graves?
Após pressão, o texto manteve a regra atual para crimes mais graves — como corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, racismo e homicídio — nos quais o prazo de inelegibilidade só começa após o cumprimento da pena. Essa emenda foi proposta pelo senador Sérgio Moro (União-PR), ex-juiz da Lava Jato, como tentativa de preservar o núcleo da lei original.
O que está em jogo
A aprovação do projeto ocorre em meio ao julgamento de figuras políticas por tentativa de golpe de Estado, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro. Embora o texto não altere sua situação específica, o contexto reforça a percepção de que o Congresso busca blindar seus integrantes em um momento de crescente judicialização da política.
A nova versão da Ficha Limpa pode ser vista como um divisor de águas: entre o compromisso com a ética pública e a institucionalização da indulgência legislativa. Resta saber se o presidente Lula sancionará o projeto ou se vetará parcialmente para preservar o legado da lei que, por 15 anos, foi símbolo da luta contra a corrupção no Brasil.