São Paulo, 31 de agosto de 2025 — Uma das maiores ofensivas já realizadas contra o crime organizado no Brasil foi deflagrada ontem pela Polícia Federal e pela Receita Federal. A operação, que mobilizou mais de 1.400 agentes em dez estados, tem como principal alvo o empresário Mohamad Hussein Mourad, apontado como o epicentro de um sofisticado esquema de lavagem de dinheiro vinculado ao Primeiro Comando da Capital (PCC).
O Cérebro por Trás da Rede
Mourad, conhecido nos bastidores como “Primo” ou “João”, construiu um império empresarial que se estende por mais de 100 empresas, muitas delas operando como fachadas para ocultar recursos ilícitos. A estrutura inclui:
- Usinas de cana-de-açúcar
- Transportadoras e locadoras
- Escritórios de advocacia
- Lojas de conveniência
- 35 fundos de investimento
- 17 distribuidoras de combustíveis, das quais 14 foram criadas com capital social idêntico de R$ 4,5 milhões
O principal ativo do grupo seria o fundo ABC Properties Ltda., sediado na Avenida Paulista, considerado o núcleo financeiro das operações ilícitas.
A Infiltração no Mercado Formal
A investigação revelou que Mourad e seus associados infiltraram-se profundamente no mercado financeiro, especialmente na Avenida Faria Lima, símbolo da elite econômica brasileira. Fundos como REAG Growth 95 FIM, Ragusa FIP, Locar FIP e Ethereal FIP estão entre os investigados. Muitos desses fundos possuem apenas um cotista — geralmente outro fundo — dificultando a identificação do beneficiário final.
Segundo a Receita Federal, essa estrutura em cascata foi usada para blindagem patrimonial, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro, com movimentações que ultrapassam R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024, mas com recolhimento de tributos considerado insignificante.
Postos de Combustíveis: A Porta de Entrada do Dinheiro Sujo
Mais de 1.000 postos de combustíveis em dez estados foram usados como canais de lavagem. Cerca de 140 deles não registraram nenhuma operação real, mas receberam mais de R$ 2 bilhões em notas fiscais, indicando aquisições simuladas para encobrir repasses às distribuidoras controladas pelo grupo.
Família Mourad: O Clã Empresarial do Crime
A operação revelou que o esquema era familiar. Ao menos sete parentes de Mohamad estão citados na decisão judicial:
- Amine Hussein Mourad (irmã): Sócia da rede de conveniências Empório Express, com 168 lojas, e da empresa Sudeste Terminais, que assumiu operações da Copape após cassação
- Armando Mourad (irmão): Presidente da Safra Distribuidora de Petróleo, com atuação em Goiás
- Himad Mourad (primo): Fundador da Insight Participações, usada para blindagem patrimonial
- Silvana Correa (companheira): Titular de empresa usada para ocultação de bens
- Outros primos e sócios atuavam em transportadoras, fundos imobiliários e empresas de engenharia
Mourad Está Foragido
Mohamad Mourad não foi localizado durante a operação e agora figura na lista vermelha da Interpol, que permite sua captura em 196 países. Seu parceiro de negócios, Roberto Augusto Leme da Silva, conhecido como “Beto Louco”, também está foragido. Ambos são considerados os líderes operacionais do esquema, que envolvia desde a importação e produção de combustíveis até a distribuição e ocultação de patrimônio.
O Que Vem a Seguir
A Justiça Federal já determinou o sequestro de bens e o bloqueio de recursos dos fundos envolvidos. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) cassou licenças de empresas como Copape e Aster, que continuam operando por meio de novas distribuidoras e empresas interpostas.
A operação, batizada de Carbono Oculto, é considerada um marco no combate à infiltração do crime organizado na economia formal. Segundo o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, “a criminalidade organizada migrou da ilegalidade para a legalidade, e é preciso enfrentá-la com inteligência e articulação institucional”.