EXPLORAÇÃO DA FÉ
Acusado de usar profecias e pressão psicológica para obter vantagem financeira, líder religioso terá de indenizar vítima; caso reacende debate sobre a regulamentação de arrecadações em igrejas.
BRASÍLIA – A Justiça do Distrito Federal condenou o pastor Marcos Túlio Galdino a indenizar uma fiel por explorar sua crença religiosa para obter vantagem financeira. O caso, que chegou à Justiça após denúncias feitas em 2022, expõe uma prática recorrente em meio a escândalos que envolvem líderes religiosos no país: o uso de mensagens supostamente divinas para coagir fiéis a realizar doações.
De acordo com a ação, o pastor afirmou em cultos e em conversas privadas que a filha da vítima morreria caso valores não fossem entregues como "oferta de fé". Os depósitos, feitos via PIX, eram solicitados como forma de "quebrar a maldição" e garantir a sobrevivência da criança. A decisão judicial considerou que houve exploração da vulnerabilidade emocional e religiosa da família.
"DESAFIOS DE FÉ" OU COAÇÃO?
Em defesa, o pastor Marcos Túlio negou ter aplicado qualquer golpe. Afirmou que os pedidos de contribuição eram "desafios de fé voluntários", sem pressão psicológica, e que não teve intenção de reter os valores. Disse ainda que pretende "regularizar a devolução" e que esta seria a segunda acusação do tipo que enfrenta.
Especialistas em direito religioso e psicologia, no entanto, veem na conduta um exemplo claro de manipulação. "Quando um líder espiritual associa a doação de dinheiro à salvação ou à proteção de entes queridos, ele cruza a linha entre o pastoral e o abusivo", explica a antropóloga Carla Santos, estudiosa de religião e sociedade.
O FENÔMENO DO "PIX DA FÉ"
O caso se soma a uma série de denúncias em todo o Brasil envolvendo a cobrança de valores por meio de mensagens apelativas – como curas, prosperidade imediata ou afastamento de tragédias. A falta de regulamentação específica para a arrecadação em cultos religiosos facilita que indivíduos mal-intencionados se aproveitem da confiança de fiéis.
Organizações de defesa do consumidor orientam que doações devem ser espontâneas e que promessas de resultados em troca de dinheiro podem configurar crime. "A fé não pode ser um produto com preço fixo", alerta o promotor Felipe Torres, que atua em casos de estelionato envolvendo igrejas.
REAÇÃO DAS VÍTIMAS
A fiel, cuja identidade foi preservada, relatou em depoimento que acredita que a situação a fez questionar sua própria espiritualidade. "É muito doloroso quando quem você vê como canal de Deus usa isso para te ameaçar", desabafou.
A condenação do pastor inclui o pagamento de danos morais e materiais, mas a discussão vai além da esfera individual. Para líderes religiosos de diversas denominações, é urgente que as comunidades fiquem atentas a discursos que vinculam bênçãos a contribuições financeiras. "A verdadeira fé liberta, não oprime", afirma o pastor Henrique Silva, da Convenção de Ministros Evangélicos do DF.
Enquanto isso, a defesa de Marcos Túlio informou que vai recorrer da decisão. O caso segue sob os holofotes da Justiça e da sociedade, como um alerta sobre os limites entre a devoção e a exploração.