A recente decisão do ministro Luiz Fux no julgamento que absolveu Jair Bolsonaro trouxe à tona uma série de contradições que, para além da técnica jurídica, abrem um precedente perigoso. O que se esperava ser um momento de reafirmação da ordem democrática se transformou em um voto com falhas lógicas e incoerências gritantes, que podem alimentar a radicalização de uma minoria já conhecida por sua violência e comportamento terrorista.
Especialistas, como Rubens Glezer da FGV, foram rápidos em apontar as falhas. A crítica central é a mobilização de teses jurídicas convenientes, que parecem mudar de acordo com o réu em questão. A incoerência se manifestou de forma especialmente visível na questão do foro privilegiado e da delação premiada, onde o ministro criticou a mudança de entendimento em um caso, mas defendeu a sua própria guinada em outro. Essa seletividade levanta dúvidas sobre a isenção da decisão e enfraquece a credibilidade do sistema judiciário como um todo.
Além disso, a forma como Fux classificou os atos dos réus, tratando-os como meramente preparatórios e não executórios, contradiz diretamente os votos dos ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino, que reconheceram a gravidade das ações. Essa interpretação tecnicamente frágil cria um precedente perigoso. Ao amenizar a gravidade de atos que claramente visavam a desestabilização e o caos, o voto de Fux envia uma mensagem de impunidade para grupos que, ao longo dos últimos anos, já mostraram sua disposição para a violência.
É irônico, e preocupante, que essa postura garantista parta de um ministro que sempre foi conhecido por seu perfil punitivista. Em julgamentos como o do Mensalão, da Lava Jato e, mais recentemente, dos atos de 8 de janeiro, a linha de Fux sempre foi dura, com penas severas e a busca por um recado claro contra a impunidade. O que mudou? A súbita mudança de entendimento enfraquece a confiança na coerência e na imparcialidade da justiça.
Essa guinada jurídica não é apenas um problema técnico; ela tem implicações reais e perigosas. A história recente do Brasil está cheia de exemplos de como a leniência com o radicalismo pode levar a situações violentas. Lembremos do caos que antecedeu e se seguiu aos atos de 8 de janeiro, quando o radicalismo bolsonarista, nutrido por discursos de ódio e desinformação, culminou em uma tentativa de golpe e na depredação das sedes dos Três Poderes. As ameaças e agressões contra ministros do STF, jornalistas e políticos, que se tornaram rotina, são apenas mais um sinal de que a violência é uma tática central para esses grupos.
O voto de Fux, ao invés de desestimular essa escalada, age como um combustível. Ao dar brechas para que atos que desafiam a democracia sejam vistos como menos graves, ele sinaliza que o extremismo pode, em última instância, ser tolerado ou justificado. Essa interpretação, além de contrariar os fatos, enfraquece a capacidade do Estado de proteger-se de ameaças internas. É fundamental que a justiça, em vez de ceder a conveniências, reafirme seu compromisso com a defesa da democracia, sob pena de ver a radicalização se tornar ainda mais perigosa e violenta.