Serra Leoa diante de uma decisão histórica: o fim da mutilação genital feminina?
Serra Leoa, paĂs da Ăfrica Ocidental marcado por uma histĂłria de conflitos e reconstrução, estĂĄ prestes a viver um momento decisivo para os direitos humanos. O presidente Julius Maada Bio tem em mĂŁos uma escolha que pode transformar o destino de milhares de meninas: criminalizar a mutilação genital feminina (MGF), prĂĄtica que ainda afeta cerca de 86% das mulheres no paĂs, segundo dados da ONU.
Uma tradição que fere
A MGF Ă© frequentemente realizada por sociedades secretas femininas, como a Bondo Society, que a defendem como rito de passagem cultural. Mas por trĂĄs da justificativa tradicional, hĂĄ dor, trauma e violação de direitos. Meninas, muitas vezes com menos de 10 anos, sĂŁo submetidas a cortes brutais sem anestesia, em ambientes insalubres, com consequĂȘncias fĂsicas e psicolĂłgicas devastadoras — desde infecçÔes atĂ© morte.
Kadijatu Balaima Allieu Ă© um dos rostos dessa tragĂ©dia. Em 2016, ela foi mutilada contra sua vontade. Seu caso chegou Ă Corte da CEDEAO (Comunidade EconĂŽmica dos Estados da Ăfrica Ocidental), que recentemente condenou o Estado de Serra Leoa por nĂŁo protegĂȘ-la e determinou uma indenização de US$ 30 mil. A corte tambĂ©m exigiu que o paĂs criminalize a prĂĄtica imediatamente.
Entre o progresso e a resistĂȘncia
O presidente Bio, que tambĂ©m preside a CEDEAO, sinalizou apoio Ă proibição. No entanto, enfrenta forte resistĂȘncia no Parlamento, onde muitos legisladores ainda veem a MGF como parte da identidade nacional. A nova Lei dos Direitos da Criança, aprovada em 2025, trouxe avanços, mas nĂŁo criminaliza diretamente a prĂĄtica.
A pressĂŁo internacional cresce. OrganizaçÔes como Avaaz e A Girl At A Time mobilizam campanhas e petiçÔes, exigindo que o governo cumpra a decisĂŁo da corte regional. Ativistas locais alertam: sem uma lei clara e puniçÔes efetivas, meninas continuarĂŁo sendo mutiladas em silĂȘncio.
Uma mudança de paradigma
Criminalizar a MGF nĂŁo Ă© apenas uma questĂŁo legal — Ă© um passo crucial para romper com sĂ©culos de opressĂŁo. Ă reconhecer que tradiçÔes nĂŁo podem justificar tortura. Ă dar voz Ă s sobreviventes. Ă afirmar que o corpo da mulher nĂŁo pertence Ă cultura, Ă religiĂŁo ou Ă polĂtica — pertence a ela.
Se o presidente optar pela criminalização, Serra Leoa poderĂĄ se tornar um sĂmbolo de coragem e transformação para toda a Ăfrica Ocidental. Se recuar, o paĂs continuarĂĄ preso a uma prĂĄtica que silencia, fere e mata.
A decisĂŁo estĂĄ prĂłxima. E o mundo estĂĄ assistindo.