Há relatos de policiais despejarem combustível no corpo de pessoas dentro de suas casas e riscarem isqueiros”, aponta investigação.
Comunidades da região foram palco do massacre durante operação da PM do Amazonas em 2020. (Foto: Reprodução) |
Um relatório de 166 páginas da Polícia Federal (PF) no Amazonas detalha dois dias de terror vividos por ribeirinhos e indígenas do Rio Abacaxis em agosto de 2020. Um contingente da Polícia Militar (PM) do estado, supostamente em retaliação à morte de dois policiais, ocupou a região entre Borba e Nova Olinda do Norte (a 130 km de Manaus), incluindo a Terra Indígena Kwatá-Laranjal. As informações são do Estadão.
Entre 3 e 5 de agosto, cerca de 60 soldados — com rostos cobertos por balaclavas — invadiram casas, torturaram famílias, dispararam rajadas de armas automáticas e deixaram oito mortos. Testemunhas relataram à PF que policiais despejaram combustível em moradores e ameaçaram incendiar as vítimas com isqueiros, “causando pavor para dominar e intimidar”.
A Secretaria de Segurança Pública do Amazonas afirmou ao Estadão que “colabora desde o início das investigações para esclarecer os fatos”. Todos os policiais indiciados negaram participação no massacre.
Indiciados e acusações
13 pessoas foram indiciadas pela Polícia Federal (Foto divulgação) |
A PF indiciou 13 pessoas, entre elas o ex-secretário de Segurança Pública, coronel da reserva Louismar Bonates, e o ex-comandante-geral da PM, coronel Ayrton Norte, acusados de comandar violações de direitos humanos e obstruir investigações. Os outros 11 são policiais militares, de soldados a capitães.
O massacre ocorreu durante a Operação Lei e Ordem, deflagrada após um tiro atingir o então secretário Executivo do Fundo de Promoção Social do Amazonas, Saulo Moysés, que pescava na região em julho de 2020. Após um pelotão da PM ser emboscado — com dois mortos e dois feridos —, a corporação iniciou a represália.
Relatos de tortura e execuções
Segundo a PF, policiais usaram embarcações blindadas para subir o Rio Abacaxis. O alvo era “Bacurau”, suspeito de liderar ataques contra PMs. Testemunhas descreveram:
- Criança torturada: Um menino de seis anos foi espremido contra a parede com um freezer e depois trancado no eletrodoméstico para coagir a família a revelar o paradeiro de “Bacurau”.
- Execução de indígenas: Dois irmãos da Terra Kwatá-Laranjal foram mortos e um deles, esquartejado.
- Fuzilamento de “Guerra”: Eligelson da Silva, conhecido como “Guerra”, foi atingido pelas costas ao tentar fugir. PMs forjaram legítima defesa e alteraram a cena do crime.
O relatório destaca que o coronel Ayrton Norte ordenou “vingar os policiais mortos”. Em uma reunião, questionou uma testemunha: “Vamos ganhar dez mil, Bigode?” — suposta referência a recompensa por “Bacurau”.
Uma mulher relatou à PF que policiais invadiram sua casa, despejaram gasolina nela e em sua família, e riscaram isqueiros próximos aos corpos. Seu marido e três irmãos foram agredidos com pedaços de madeira e armas.
A PF denunciou os 13 investigados por homicídio qualificado, tortura, sequestro, ocultação de cadáver, formação de milícia e outros crimes. A SSP-AM reiterou apoio às investigações “para que a Justiça prevaleça”.
Lista dos indiciados:
- Louismar Bonates (ex-secretário de Segurança);
- Ayrton Norte (ex-comandante da PM);
- Thiago Dantas, Aldo Ramos (capitães);
- Demais acusados incluem sargentos, cabos e soldados.
O relatório conclui: “A violência das abordagens revela motivação por vingança, com crueldade contra civis, incluindo crianças”.